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CÍRCULOS DE PRÁTICA
pelo Roshi Wendy Egyoku Nakao






A Prática em Círculo foi criada para contrabalançar a forte estrutura vertical da prática que já conhecemos tão bem e fortalecer os relacionamentos horizontais dentro da Sangha. Neste artigo, quero apresentar a vocês a estrutura subjacente do Círculo de Prática. Claro, não é preciso ter esta informação para vivenciar os benefícios da prática em círculo.


Os Três Tesouros são o fundamento do Círculo de Prática: 1) a Integralidade do Buddha, 2) a Diversidade do Dharma, e 3) a Harmonia da Sangha. O círculo propriamente dito é um veículo para nos pôr no presente, nos manifestando exatamente como somos na verdade do momento.

No Círculo de Prática, a Integridade do Buddha é o ensinamento do Desconhecimento. Desconhecimento significa que nesta esfera de igualidade ou homogeneidade, não reconhecemos quaisquer diferenças. O Desconhecimento se manifesta como abertura para o que quer que venha a acontecer; tudo que acontece se dissolve de volta no desconhecimento. Essa é a perspectiva da equanimidade (igual respeito e simpatia a todas as possibilidades que possam se apresentar) e tolerância, a mais abrangente das perspectivas.

A maioria das pessoas parte de um lugar conhecido, segurando-se a algum tipo de idéia ou conceito a respeito de si próprias ou de uma situação. Uma vez conduzi um círculo de uma sangha a discutir os problemas que andavam tendo. No encerramento, uma pessoa disse: "Eu cheguei pensando que sabia o que estava errado e o que devia ser feito, mas acabei por me dar conta de que eu sabia muito pouco e que todos os outros tinham contribuições tão valiosas quanto as minhas a oferecer."

Um altar simples pode ser criado no centro do círculo. Nele frequentemente colocamos um pano, flor, vela, e um ou mais marcadores (da vez de falar). O centro é um lembrete do Desconhecimento, esse espaço no qual estamos imparciais e abertos, nos relacionando com todas as coisas com equanimidade. Nós nos lembramos que a mente que "não sabe" é a âncora do ser.

O secundo tesouro, a Diversidade do Dharma, é o ensinamento de prestar testemunho. É representado fisicamente pelos participantes sentados em círculo, cada um capaz de ver todos os outros. Ao prestar testemunho, honramos as diferenças oriundas da Unidade, permitindo que o que quer que esteja se manifestando esteja presente. Cada pessoa no círculo manifesta algo diferente, e a forma como nos relacionamos a essas diferenças torna-se um ponto focal do aprendizado. As práticas de prestar testemunho são ouvir corretamente, prestar atenção corretamente, e manter silêncio correto.

Quando falamos, praticamos a fala a partir de uma posição de integridade e falamos a verdade da forma como a conhecemos. Nos mantemos focalizados em nossa própria experiência, em vez de falar sobre outros ou de forma abstrata. Ao ouvir, tentamos não interromper nem mesmo com nossos pensamentos. Nós praticamos a recepção do que quer que esteja sendo oferecido pelo outro sem apegos ou julgamentos. Em silêncio, permitimos que todas as coisas venham a surgir e a ir embora, aceitando e honrando diferentes expressões e perspectivas. Nós nos sentamos com nosso desconforto.


“. . . estes círculos põem carne nos meus ossos.”
- Participante de Círculo



Recentemente preparamos um Círculo de Prática com o preceito de não ficar zangados. Trinta pessoas participaram. Não é preciso dizer que foi um assunto sensível para muitos. Havia pelo menos trinta formas diferentes de expressar como as pessoas praticam com sua raiva e seus vários insights (intuições) a respeito dessa prática. Uma pessoa falou de como certa vez caminhou por quilômetros depois de uma explosão de raiva para depois descobrir que não tinha como voltar para casa! Outra falou sobre como a raiva ardia dentro dela por duas semanas e sobre o que ela sabia que era capaz de fazer ao se acalmar. E havia quem estava descobrindo como sentir raiva. Cada experiência nos ensina ainda outro dharma, outra prática. Aprendemos com nossa diversidade, e não pelo julgamento de uma forma como superior ou melhor a outra. E acabamos por perceber quão pouco sabemos uns sobre os outros.

Usamos objetos para indicar a vez de falar ("marcadores"), simbolizando a igualdade de todos. Quando alguém está segurando o marcador, pode falar ou manter silêncio. Nossa expressão vem de todo o nosso ser. Quando outra pessoa segura o marcador, dedicamos a essa outra pessoa nossa atenção plena, prestamos toda a atenção. Enfatizamos a importância de não nos preparar para a nossa vez (de falar ou ficar em silêncio). Para muitos de nós, aprender a confiar em nós mesmos no momento (presente) é um ponto focal da prática em círculo.

“Os círculos me ajudam a confrontar minhas deficiências -- meu temor, ansiedade, falta de palavras adequadas. Eu simplesmente sigo em frente, sendo vulnerável e aprendendo. Me sinto amparado por todos.”
- Participante de Círculo



O terceiro tesouro é a harmonia da Sangha. Esse é o ensinamento do "como está", a completa interpenetração da igualdade e da diversidade. Para muitas pessoas, uma sensação de bem-estar ou de cura natural surge do próprio círculo. Há espaço para a manifestação da nossa própria verdade e para a verdade de outros. Não estamos tentando consertar coisas, manipular situações, ou competir por dominância. Não estamos apegados aos resultados, e por isso permitimos que todas as coisas sejam uma manifestação de unicidade e de diversidade (ao mesmo tempo).

Lembro-me de um Círculo de Prática específico no qual todos dividiram suas intensas lutas com certos assuntos. A última pessoa a falar expôs sua mágoa de anos de desapontamento com uma Sangha. Como facilitador daquele círculo, lutei em silêncio com a decisão sobre a conveniência de fazer ou dizer alguma coisa específica. Deixei o círculo acabar naquele ponto baixo. Mais tarde alguém disse, "Aprendi a simplesmente sentir a dor daquele (testemunho). E tendo sentido sua dor profundamente, agora ele e eu podemos manter uma conversa (produtiva)."



Os círculos são conduzidos por dois facilitadores, trabalhando em parceria. Eles cuidam para que haja um início e encerramento nítidos para o círculo e seu fucionamento. Ao mesmo tempo, também são participantes, prestando testemunho e partilhando como todos os outros.

O tema de cada Círculo de Prática é determinado pelos facilitadores. Nossos temas nascem dos ensinamentos e das necessidades da sangha e tem incluído os preceitos, partilhar perdas grandes e pequenas, a relação entre prática de doze passos adaptada à prática Zen, trabalho, e outros assuntos da vida prática. Também temos círculos de família, nos quais pais e filhos sentam e partilham juntos.

O Círculo de Prática nos retira de nossas formas habituais de nos relacionar e nos permite explorar novas possibilidades de dissolver os limites entre nós mesmos e os outros. Através desta prática, podemos deixar a absorção autocentrada em prol de uma consciência mais orientada à Sangha, e em última instância do Desconhecimento. Muitos de nós estão descobrindo um sentido mais profundo de partilha e comunidade. O pleno potencial dos Círculos de Prática e da Sangha ainda está por ser manifesto.

(C) 1999, Zen Center of Los Angeles
Traduzido por Luis Dantas. Tradução autorizada em 13 out 2005.