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Kamma nos Ensinamentos do Buda

por

Venerável P.A. Payutto

Traduzido do Tailandês por Bruce Evans

Somente para distribuição gratuita.
Este trabalho pode ser impresso para distribuição gratuita.
Este trabalho pode ser re-formatado e distribuído para uso em computadores e redes de computadores contanto que nenhum custo seja cobrado pela distribuição ou uso.
De outra forma todos os direitos estão reservados.     


Conteúdo:

Introdução

Agradecimento

 

1. Compreendendo a Lei de Kamma

Kamma como uma lei da natureza

A lei de kamma e a preferência social

O significado de kamma

a. kamma como intenção

b. kamma como fator condicionante

c. kamma como responsabilidade pessoal

d. kamma como atividade social ou profissional

Tipos de kamma

 

2. Sobre o Bom e o Mau

O problema do bom e do mau

O significado de kusala e akusala

Kusala e akusala como catalisadores mútuos

Avaliando kamma bom e ruim

Fatores Primários

Fatores Secundários

 

3. Os Frutos de Kamma

Resultados de kamma em diferentes níveis

Fatores que afetam a geração dos frutos de kamma

Compreendendo o processo de geração dos frutos

Frutos de kamma a longo prazo – Paraíso e Inferno

Resumo: confirmando vidas futuras

Os frutos de Kamma no Culakammavibhanga Sutta

 

4. Kamma no nível Social

A importância de ditthi na criação de kamma

Influências externas e reflexos internos

Responsabilidade pessoal e kamma social

Ação social responsável

 

5. O Kamma que dá fim ao Kamma

 

6. Mal entendidos da Lei de Kamma

Quem provoca a felicidade e o sofrimento?

Crenças que são contrárias à lei de Kamma

O kamma pode ser apagado?

Kamma e ‘não eu’ são contraditórios?

 

7. Conclusão

O significado geral

Inteligência acima da superstição

Ação ao invés de oração

Não adesão a raça ou classe

Depender de si mesmo

Um aviso para o futuro

 

            Abreviações

 


 

Introdução

O trabalho aqui apresentado está baseado num único capítulo do livro Buddhadhamma, escrito pelo Venerável P. A. Payutto. Buddhadhamma é talvez a obra mais formal e ambiciosa do autor até hoje, um volume contendo mais de mil páginas tratando de todo o conjunto dos ensinamentos do Buda. Embora a abordagem do livro seja erudita, ele apresenta os temas Budistas, que com freqüência são entendidos de maneira errada ou são considerados acima do escopo do discípulo leigo comum, de forma mais acessível em termos práticos.

 

O venerável autor é um dos principais sábios Budistas da Tailândia na atualidade. A sua grande produção literária vai desde simples explanações de temas básicos Budistas até ensinamentos mais substanciais do Dhamma sob a forma de comentários (tal como o Buddhadhamma) e análises sociais sob uma perspectiva Budista  (tal como Buddhist Economics).O Venerável Payutto possui um talento incomum nesse aspecto, tendo adquirido experiência em ambas as culturas, Oriental e Ocidental, durante a sua carreira escolástica e de ensino. Isto combinado com a sua mente inquisitiva, pesquisas exaustivas e uma compreensão intuitiva rara, proporcionam ao venerável autor uma posição privilegiada para apresentar os ensinamentos do Buda.

 

Para o Ocidental moderno, o ensinamento de kamma oferece um caminho de prática baseado não no temor de uma autoridade superior ou dogma, mas fundamentado na clara compreensão da lei natural de causa e efeito no que diz respeito ao comportamento humano. É um ensinamento não tanto para ser acreditado mas compreendido e visto em operação.

 

O Budismo é uma religião que coloca a sabedoria, ao invés da fé, em primeiro lugar. A investigação inteligente e honesta não só é bem recebida como também encorajada. Parte dessa investigação requer uma boa compreensão daquilo que conduz à maneira como causa e efeito funcionam no nível pessoal. Esse é o domínio da ética ou moral e é o domínio específico de kamma. Quais os critérios que existem para o comportamento correto e incorreto? Como conceitos, essas palavras dão margem a uma extensa série de interpretações, mas no estudo de kamma estamos preocupados em encontrar definições que sejam práticas e sólidas. Essas definições precisam não só apontar uma direção clara para a conduta moral, mas também oferecer as razões e incentivos para mantê-la. O ensinamento de kamma satisfaz essas exigências.

 

Falta à sociedade Ocidental no mundo de hoje clareza ou uma direção coerente nas questões morais. Com o declínio da fé em um Ser Supremo, seguindo os avanços da ciência, tudo que parece restar como prescrição para a vida são sistemas políticos e ideais sociais. Quando o domínio autoritário é rejeitado, com frequência isso significa uma rejeição de todo o padrão de comportamento coerente. Parece não haver espaço no pensamento moderno para a moralidade, exceto talvez  no aspecto de ideais, tal como os direitos humanos.

 

Na era da liberdade pessoal e do direito à auto-expressão, a ética parece ter sido reduzida a uma questão de opinião pessoal, lei social ou preferência cultural. Conceitos como “certo” e “errado,” “bom” e “mau,” não estão mais assentados sobre terreno firme e nos encontramos com cada vez mais dificuldades em definí-los. Essas qualidades são apenas uma questão de opinião, ou elas possuem algum tipo de realidade baseada na lei da natureza? Como isso se relaciona com o mundo científico de relações impessoais de causa e efeito? Aos olhos de muitos, os conceitos de bom e mau foram reduzidos a ferramentas de intolerância moral ou oportunismo político. É por isso que para tantas pessoas é entediante ver ou ouvir a palavra “moralidade”; o tema é definitivamente maçante para a maioria. Numa era em que a vida parece oferecer uma interminável sucessão de “emoções baratas,” quem está interessado no autocontrole?

 

Apesar disso, sem uma direção clara na vida nos deparamos com problemas em muitos níveis. Sem uma direção clara, sem diretrizes nas quais basear a vida, esta se transforma numa pobre coleção de asneiras, à medida que vamos tateando de forma desajeitada desta experiência para a seguinte – ainda mais quando o significado da vida é reduzido a nada mais que uma corrida compulsiva para colecionar “experiências.”  O resultado é uma sociedade guiada pelo hedonismo, alimentada pelo desejo e atormentada por problemas: no nível pessoal, depressão, solidão e desequilíbrio nervoso; no nível social, comportamento irracional, crime e desordem social. E no nível mais sutil, o legado da era atual é uma vida em des-sintonia com a natureza, produzindo a angústia que leva à  busca moderna pela iluminação baseada em filosofias orientais.

 

Pois é justo à luz  dessa situação que a lei de kamma é tão relevante. Embora as palavras “kamma” ou “karma” [1] sejam algumas vezes ouvidas nos dias de hoje, o conceito raramente emerge da nuvem de mistério na qual está envolvido desde a sua introdução no Ocidente. O que é peculiar, porque na verdade a lei de kamma é um ensinamento em particular dinâmico e lúcido, com especial pertinência para a era moderna. Na lei de kamma podemos encontrar definições significativas e relevantes de “bem” e “mal,” um entendimento que não apenas esclarece o caminho da prática ética, mas também facilita o bem estar e a realização pessoal. Não só as necessidades pessoais , mas problemas e direcionamentos no plano social podem ser compreendidos com mais facilidade com o auxílio deste ensinamento. Não é portanto surpresa que a Lei de Kamma seja uma das pedras fundamentais do Budismo.

 

É minha convicção que este livro servirá como referência inestimável para ambos, o estudante fortuito e o praticante mais comprometido com o Budismo. A lei de kamma, como um dos temas centrais do Budismo, não requer apenas uma certa dose de estudo, mas também muita reflexão interna. Este livro portanto não deveria ser lido somente como uma coleção de idéias para acumular na memória, mas como idéias sobre as quais refletir, ponderar, avaliar e aplicar na realidade prática. Alguns dos conceitos apresentados podem à primeira vista parecer estranhos, mas o tempo gasto em contemplá-los irá revelar que esses conceitos, longe de serem estranhos, são na verdade bem comuns. Eles são, de fato, tão comuns que de alguma forma conseguem iludir as nossas mentes complicadas.

 

* * *

 

No início havia decidido fazer uma tradução quase literal deste livro, mas tendo completado o primeiro rascunho me deparei com um grande número de problemas. Primeiro, alguns dos pontos abordados no livro se aplicam de modo específico à cultura Tailandesa e somente têm significado nesse contexto. Uma seção, por exemplo, abrangia a diferença entre kusala (hábil) e akusala (inábil) por um lado, e,  punna (mérito) e papa (demérito) por outro, sendo que essas palavras são usadas com freqüência na Tailândia. Mas a sua tradução tem limitações e são termos não muito relevantes em culturas não Budistas. Por essa razão pedi permissão ao venerável autor para cancelar essa seção. Algumas seções, como a que trata da intenção, foram movidas de um capítulo para outro. Em todos esses casos busquei a permissão e o conselho do venerável autor.

 

Uma das principais modificações no livro é a adição do Capítulo 4, que lida com kamma no plano social, que foi composto a partir de uma gravação com o autor de uma série de perguntas e respostas sobre esse assunto. O tema é na verdade bastante amplo, digno de  um livro todo dedicado a ele. Também é um dos aspectos de kamma que tem particular relevância nos assuntos Ocidentais contemporâneos.

 

Em geral, a natureza dos dois idiomas, Tailandês e Inglês é bastante distinta. O que é considerado bom Tailandês, pode se tornar Inglês ruim se for convertido diretamente. Em vista disso eu tive que realizar um trabalho de edição da tradução, principalmente eliminando trechos repetitivos. Há um grande número de palavras em Pali que foram deixadas sem traduzir na esperança de que algumas dessas palavras acabem sendo absorvidas como parte do idioma Inglês de uma forma ou de outra. São palavras para as quais não há uma tradução direta no Inglês e como tal representam um lacuna desafortunada para o mundo Ocidental como um todo.

 

Em suma, o livro não é uma tradução literal estrita, como qualquer pessoa que tenha familiaridade com os dois idiomas irá descobrir. Quanto a quaisquer deficiências, com respeito tanto à linguagem, à qualidade da tradução e ao volume de edição que foi incorporado neste trabalho, eu peço que o leitor me perdoe, e apenas posso esperar que as limitações sejam superadas por aqueles estudantes sérios em busca da verdade.

 

Por fim, devo mencionar que o manuscrito foi revisado por tantas pessoas que a lista é demasiado longa para incluir aqui. Eu contei com as sugestões e feedback de todos para guiar a tradução na expectativa de apresentar o livro da forma mais “universal” possível, e sem essa ajuda tenho certeza que o livro estaria muito menos bem acabado do que está agora. Que os méritos advindos da produção deste livro sirvam para iluminar o tema de kamma e assim conduzir a um mundo mais equilibrado para todos

 

Se não estiver indicado de outra forma, todas as notas de rodapé são de minha autoria.

Bruce Evans

Bangkok, 1993


Agradecimento

Conforme indicado pelo tradutor na sua própria introdução, este trabalho não é uma tradução direta da versão em Tailandês, mas foi adaptado para se adequar a um público Ocidental. Algumas partes foram canceladas, outras foram reduzidas, outras rearranjadas e houve uma série de notas adicionadas para explicar conceitos que à primeira vista podem não ser compreendidos por leitores Ocidentais. Assim mesmo, o significado essencial do texto original permanece intacto e na verdade durante esse processo, o trabalho acabou se tornando mais adequado para os leitores que não possuem um histórico Budista. Esta tradução portanto não é apenas o fruto da admirável habilidade do tradutor, mas também um esforço concentrado, baseado no desejo de proporcionar um verdadeiro benefício.

 

Quero expressar meu apreço ao Sr. Evans pelas suas boas intenções e comprometimento em traduzir este trabalho para o Inglês e preparar o manuscrito para impressão em computador. Eu também quero expressar meu apreço ao Venerável Maha Insorn Cintapanyo que auxiliou na preparação final e à Buddhadhamma Foundation que assumiu a responsabilidade financeira.

 

Que o conjunto de intenções benéficas de todos aqueles envolvidos na produção deste livro sirva para encorajar o entendimento correto e a conduta correta que são condições necessárias para a paz e felicidade no mundo de hoje.

P.A.Payutto

15 Outubro 1992 (B.E. 2535)


Todos os seres são os donos do seu kamma

herdeiros do seu kamma

nascidos do seu kamma

atados ao seu kamma

possuem o kamma como refúgio

(MN 135)


 

1. Compreendendo a Lei de Kamma

Kamma como uma lei da natureza

O Budismo ensina que todas as coisas, tanto materiais como imateriais, estão totalmente sujeitas à influência de causas e são interdependentes. Esse fluxo natural das coisas é chamado em termos usuais de “lei da natureza” e em Pali niyama que no sentido literal quer dizer “certeza” ou “modo fixo,” referindo-se ao fato de que condições específicas inevitavelmente levam a resultados correspondentes.

 

As leis da natureza, embora baseadas de modo uniforme no princípio da dependência causal, podem no entanto ser classificadas de acordo com os diferentes tipos de relação. Os comentários Budistas descrevem cinco categorias de leis da natureza ou niyama. Elas são:

 

1. Utuniyama: a lei da natureza que diz respeito aos objetos físicos e mudanças no ambiente natural, tais como o clima, a forma como as flores desabrocham durante o dia e se fecham à noite, a forma como o solo, água e nutrientes ajudam uma árvore a crescer e a forma como as coisas se desintegram e se decompõem. Esta perspectiva enfatiza as mudanças ocasionadas pelo calor ou temperatura.

 

2. Bijaniyama: a lei da natureza que diz respeito à hereditariedade que é melhor descrita com o ditado popular, “como a semente, assim a fruta.”

 

3. Cittaniyama: a lei da natureza que diz respeito aos processos mentais, o processo de reconhecimento dos objetos dos sentidos e as reações mentais associadas a eles.

 

4. Kammaniyama: a lei da natureza que diz respeito ao comportamento humano, o processo de geração das ações e os seus resultados. Em essência, isto é resumido nas palavras, “Boas ações trazem bons resultados, más ações trazem maus resultados.”

 

5. Dhammaniyama: a lei da natureza que governa a relação e interdependência de todas as coisas: a forma como as coisas surgem, existem e depois cessam. Todas os fenômenos estão sujeitos à mudança, estão num estado de aflição e são não eu: essa é a Lei.

 

Os quatro primeiros niyama estão contidos ou estão baseados no quinto, Dhammaniyama, a Lei do Dhamma ou Lei da Natureza. Poderia ser questionada a razão de Dhammaniyama, pelo fato de ser a totalidade e também estar incluído como uma das subdivisões. Isso se deve por que as quatro primeiras categorias não abrangem a extensão completa de Dhammaniyama.

 

Para ilustrar: a população da Tailândia pode ser agrupada em diferentes categorias tais como a realeza, o governo, os funcionários públicos, os comerciantes e o povo; ou ela pode ser categorizada como a polícia, os militares, os funcionários públicos, os estudantes e o povo; ou ela pode ser classificada em uma série de outras formas. Na verdade o termo “povo” inclui todas as categorias do país. Os funcionários públicos, os chefes de família, a polícia, os militares, os estudantes e os comerciantes são todos igualmente membros do povo, mas eles são selecionados porque cada um desses grupos possui as suas próprias características distintas. Aquelas pessoas que não possuem uma característica relevante em particular são agrupadas sob o título genérico, “o povo.” Além disso, embora esses agrupamentos possam mudar de acordo com o seu propósito particular, eles sempre estarão incluídos como parte do “povo” ou “multidão” ou algum outro termo genérico semelhante. A inclusão de Dhammaniyama nos cinco niyama deve ser compreendida desta forma.

 

Se estas cinco leis da natureza são completas e abrangentes ou não, isto não é importante. Os comentadores (das escrituras em Pali) detalharam esses cinco grupos pois esta divisão se adequava  às necessidades deles e qualquer outro grupo poderia ser incluído sob o quinto, Dhammaniyama, da forma como foi mostrado no exemplo acima. O ponto importante que devemos ter em mente é o propósito dos comentadores ao indicar esses cinco niyama. Com respeito a isso, três pontos podem ser mencionados:

 

Primeiro, este ensinamento enfatiza a perspectiva Budista que vê o fluxo das coisas como estando sujeito a causas e condições. Não importa quão em detalhe esta lei seja analisada, o que encontraremos será apenas o funcionamento dessa Lei ou do estado de interdependência. A compreensão dessa verdade nos permite aprender, viver e praticar com um entendimento claro e firme da forma como as coisas são. Eliminando, de forma definitiva, o problema de tentar responder a questões sobre um Deus Criador com o poder de desviar o fluxo da Lei ( a não ser que esse Deus se torne um dos fatores determinantes dentro do fluxo). Quando provocados com questões equivocadas como, “Sem um ser para criar essas leis, como elas podem ter surgido?” precisamos refletir que se deixadas por sua própria conta, todas as coisas irão funcionar de uma forma ou de outra e é assim como elas funcionam. É impossível que seja de qualquer outra forma. Os seres humanos, observando e estudando esse estado de coisas, passam a chamá-lo de “lei.” Mas quer seja chamado de lei ou não, isso não muda a sua forma de operação.

 

Segundo, ao analisarmos eventos, não devemos reduzí-los completamente a leis únicas. Na verdade, um evento na natureza pode surgir de qualquer uma dessas leis ou de uma combinação delas. Por exemplo, o desabrochar de uma flor de lótus durante o dia e o seu fechamento à noite não está sujeito apenas aos efeitos de utuniyama (leis físicas), mas também aos de bijaniyama (hereditariedade). Quando uma pessoa chora pode ser em grande parte devido aos efeitos de cittaniyama, por conta dos estados mentais tristes ou felizes, ou pode ser a operação de utuniyama, por conta de fumaça nos olhos.

 

Terceiro, e mais importante, os comentadores estão nos mostrando que a lei de kamma é apenas uma entre um grande número de leis da natureza. O fato de ser mostrada como apenas uma entre cinco leis diferentes nos lembra que nem todos os eventos são operações de kamma. Podemos dizer que o kamma é aquela força que dirige a sociedade humana ou decide os valores que ela tem. Embora seja apenas um tipo de lei da natureza, ela é a mais importante para nós como seres humanos, porque ela é nossa responsabilidade. Nós somos os criadores de kamma e kamma por seu lado molda o destino e as condições das nossas vidas.

 

A maioria das pessoas tende a perceber o mundo como estando parte sob o controle da natureza e parte sob o controle dos seres humanos. Neste modelo, kammaniyama é responsabilidade dos seres humanos, enquanto que os outros niyama são do domínio da natureza.

 

No processo de kammaniyama, o fator da intenção ou volição é crucial. Portanto, a lei de kamma é a lei que governa as operações da volição ou o mundo das ações e atividades mentais intencionais das pessoas. Quer lidemos ou não com os outros niyama, precisamos lidar com a lei de kamma e o nosso relacionamento com os outros niyama serão influenciados por kamma de forma inevitável. Assim a lei de kamma é de importância crucial ao regular o grau em que seremos capazes de criar e controlar as coisas ao nosso redor.

 

Falando corretamente, podemos dizer que a capacidade humana de entrar e se tornar um fator dentro do processo natural de causa e efeito, que por seu lado faz surgir a impressão de que somos capazes de controlar e manipular a natureza, se deve totalmente a esta lei de kamma. Nas áreas científica e tecnológica, por exemplo, interagimos com outros niyama, ou leis da natureza, estudando as suas verdades e exercendo influência sobre elas de acordo com a sua natureza, criando a impressão de que somos capazes de manipular e controlar o mundo natural.

 

Além disso, a nossa volição ou intenção molda os nossos relacionamentos pessoais e sociais, bem como nossa interação com as outras coisas no ambiente à nossa volta. Através da volição moldamos nossa própria personalidade e estilo de vida, posição social e destino. Pelo fato da lei de kamma governar todo nosso universo volitivo e criativo é que os ensinamentos do Buda enfatizam muito a sua importância com a frase:  Kammuna vattati loko: O mundo é dirigido por kamma.[Sn 654]

 

A lei de kamma e a preferência social

Além dos cinco tipos de leis da natureza mencionados acima, existe um outro tipo de lei que é específico dos seres humanos e não está diretamente relacionado com a natureza. Trata-se de códigos de leis fixados e acordados pela sociedade, consistindo em decretos sociais, costumes e leis. Eles poderiam ser colocados no final da lista acima como um sexto tipo de lei, mas eles não possuem um nome em Pali. Vamos chamá-los de Preferência Social. [2] Esses códigos de leis sociais são o produto do pensamento humano e como tal estão relacionados com a lei de kamma. Eles não são, no entanto, a lei de kamma como tal. Eles apenas lhe servem de complemento e não possuem a mesma relação com a verdade da natureza como ocorre com a lei de kamma, como será mostrado a seguir. No entanto, porque existe uma relação com a lei de kamma eles tendem a ser confundidos com ela e os mal entendidos surgem com freqüência.

 

Como ambos, kammaniyama e a Preferência Social, são preocupações dos seres humanos e estão intimamente relacionados com a vida humana, é muito importante que as diferenças entre ambos seja compreendida com clareza.

 

De forma geral podemos afirmar que a lei de kamma é a lei da natureza que lida com as ações humanas, enquanto que a Preferência Social ou leis sociais fazem parte do processo de criação humana, relacionadas com a natureza à medida que são um produto do processo natural do pensamento humano. Em essência, com a lei de kamma os seres humanos recebem os frutos das suas ações de acordo com o processo da natureza, enquanto que nas leis sociais, os seres humanos assumem responsabilidade pelas suas ações através de um processo estabelecido por eles mesmos.

 

O significado de kamma

 

De um ponto de vista etimológico, kamma significa “trabalho” ou “ação.” Mas no contexto dos ensinamentos do Buda é definido de forma mais específica como “ação baseada na intenção” ou “atos cometidos de forma deliberada.” Ações desprovidas de intenção não são consideradas como kamma nos ensinamentos do Buda.

 

Esta definição, no entanto, é muito geral. Se quisermos esclarecer a abrangência completa do significado de kamma, precisamos analisá-lo em mais detalhe, dividindo-o em diferentes perspectivas ou níveis, desta forma:

 

a. Kamma como intenção

 

Em essência, kamma é intenção (cetana) e esta palavra inclui volição, escolha e decisão, o ímpeto mental que conduz à ação. A intenção é aquilo que incita e dirige todas as ações humanas, ambas, criativas e destrutivas e por isso é a essência de kamma, como enunciado pelo Buda, Cetanaham bhikkhave kammam vadami: Bhikkhus! Intenção, eu digo, é kamma. Tendo volição, criamos kamma, através do corpo, linguagem e mente.[AN III.415]

 

Neste ponto podemos gastar um pouco mais de tempo para ampliar a nossa compreensão dessa palavra “intenção.” Intenção no contexto Budista tem um significado muito mais sutil do que o uso mais geral dessa palavra. Em geral tendemos a usá-la quando queremos proporcionar um elo de ligação entre o pensamento interno e as suas ações externas resultantes. Por exemplo, podemos dizer, “Eu não tinha intenção de fazer isso,” “Eu não tinha intenção de dizer isso” ou “ela fez isso de forma intencional.”

 

Mas, de acordo com os ensinamentos Budistas, todas as ações e linguagem, todos os pensamentos, não importa quão fugazes sejam, e as respostas da mente a sensações recebidas através do olho, ouvido, nariz, língua, corpo e mente, sem exceção, contêm elementos de intenção. Assim, a intenção é a escolha volitiva feita pela mente em relação aos objetos para os quais a atenção é dirigida; é o fator que conduz a mente a se inclinar ou a repelir os vários objetos da atenção, ou de prosseguir em uma certa direção; é o que guia ou governa como a mente responde aos estímulos; é a força que planeja e organiza os movimentos da mente e no final das contas é aquilo que determina os estados experimentados pela mente.

 

Uma ocorrência de intenção é uma ocorrência de kamma. Quando há kamma existe resultado direto. Até mesmo um pensamento fugaz, embora não seja particularmente importante, não será no entanto desprovido de conseqüência. Será no mínimo uma “pequena nódoa” de kamma, adicionada ao fluxo de condições que moldam a atividade mental. Com a prática repetida, através da proliferação mental ou expressão por meio de ações externas, o resultado se tornará mais marcado sob a forma de traços de caráter, características físicas ou repercussões de fontes externas.

 

Uma intenção destrutiva não precisa ocorrer num nível grosseiro. Ela pode, por exemplo, levar à destruição algo muito pequeno, tal como quando rasgamos uma folha de papel com raiva . Muito embora o pedaço de papel em si não tenha importância, mesmo assim a ação tem algum efeito sobre a qualidade da mente. O efeito é bem distinto ao rasgarmos a folha de papel com um estado mental neutro, como ao jogar fora um papel de rascunho. Se existe execução repetida desse tipo de intenção enraivecida, os efeitos da acumulação irão se tornar cada vez mais claros e podem se desenvolver para níveis mais substanciais.

 

Considere as partículas de pó que entram flutuando desapercebidas num cômodo; não existe nenhuma partícula que esteja desprovida de conseqüência. É o mesmo com relação à mente. Mas o peso daquela conseqüência, além de depender da quantidade de “poeira” mental, também está relacionado com a qualidade da mente. Por exemplo, partículas de pó que pousem sobre a superfície de uma rua têm que ser em grande número até que a rua pareça estar suja. Partículas de pó que pousem no chão, embora numa quantidade muito menor poderão fazer com que o piso pareça mais sujo que a rua. Uma quantidade ainda menor de pó que se acumule sobre uma mesa fará com que ela pareça estar suficientemente suja para causar irritação. Uma quantidade ainda menor que pouse sobre um espelho irá fazer com que este pareça sujo e interferirá com a sua função. Uma pequena partícula de pó sobre as lentes de um óculos pode ser notada e pode prejudicar a visão. Da mesma forma, volição ou intenção, não importa quão pequena, não está desprovida de fruto. Como disse o Buda:

 

“Todo kamma, quer seja bom ou mal, produz frutos. Não existe kamma, não importa quão pequeno, que seja desprovido de fruto.” [Jataka IV.390]

 

De qualquer forma, os resultados mentais da lei de kamma em geral são negligenciados, então uma outra ilustração poderá ajudar:

 

Existem muitas variedades de água: água de esgoto, água de um canal, água da torneira e água destilada para preparar uma injeção hipodérmica. A água de esgoto é um hábitat aceitável para muitos tipos de animais aquáticos mas não é adequada para banho, para beber ou fins medicinais. A água de um canal pode ser usada para banho ou lavar roupas, mas não é potável. A água da torneira é potável mas não deve ser usada para preparar uma injeção hipodérmica. Se não há uma necessidade especial então a água da torneira servirá na maioria dos casos, mas seria imprudente usá-la para preparar uma injeção hipodérmica.

 

Da mesma forma, a mente possui níveis variados de refinamento ou nitidez, dependendo do kamma acumulado. Enquanto a mente estiver sendo usada num nível mais grosseiro, não haverá problema aparente, mas se for necessário usá-la num nível mais refinado, o kamma inábil existente, mesmo numa escala mínima, pode se tornar um obstáculo.

 

b. Kamma como fator condicionante

 

Expandindo nossa perspectiva, encontramos kamma como um componente dentro de todo processo vital, sendo o agente que molda a direção da vida. Isto é kamma com o sentido de “sankhara,” [3] como aparece no Ciclo da Origem Dependente [4], onde é descrito como o “agente que molda a mente.” Isto se refere aos fatores ou qualidades da mente que, com a intenção no comando, moldam a mente em estados bons, ruins ou neutros, que por sua vez moldam o processo do pensamento e os seus efeitos através do corpo e linguagem. Nesse contexto, kamma pode ser definido simplesmente como impulsos volitivos. Mesmo nessa definição tomamos a intenção como sendo a essência e é por isso que algumas vezes vemos a palavra sankhara traduzida simplesmente como intenção.

 

c. Kamma como responsabilidade pessoal

 

Olhemos agora um pouco mais para o exterior, para o nível do relacionamento do indivíduo com o mundo. Kamma neste sentido se refere à expressão dos pensamentos através da linguagem e ações. Isto é, o comportamento sob uma perspectiva ética, quer seja num nível estreito, imediato ou num nível mais amplo, incluindo o passado e o futuro. Kamma neste sentido corresponde ao significado amplo e geral dado acima. Esse é o significado de kamma que com mais freqüência é encontrado nas escrituras, onde ele ocorre como incentivo para encorajar ações boas e responsáveis, tal como nas palavras do Buda:

 

“Bhikkhus! Essas duas coisas são causa para o remorso. Quais duas? Algumas pessoas neste mundo não realizaram bom kamma, não foram hábeis, não realizaram méritos como salvaguarda contra o temor. Elas apenas realizaram kamma ruim, apenas kamma grosseiro, apenas kamma prejudicial…Como conseqüência elas experimentam o remorso, pensando, ‘Eu não realizei bom kamma, Eu apenas realizei kamma ruim…’”[Ittivutaka 25]

 

Vale a pena observar que na atualidade kamma não só é ensinado quase que exclusivamente sob esta perspectiva, mas também é amplamente tratado sob a perspectiva de vidas passadas.

 

d. Kamma como atividade social ou profissional

 

Sob um raio ainda mais amplo, isto é, sob a perspectiva da atividade social, temos kamma com o sentido de trabalho, labor ou profissão. Isto se refere aos estilos de vida e ações sociais que resultam da intenção, que por sua vez afetam a sociedade. Como mencionado no Vasettha Sutta:

 

“Ouça, Vasettha, você deve compreender isto assim: Aquele que depende da agricultura como meio de vida é um agricultor, não um Brâmane; aquele cujo meio de vida são as artes é um artista…aquele cujo meio de vida é o comércio é um comerciante…aquele cujo meio de vida é trabalhar para os outros é um empregado…aquele cujo meio de vida é roubar é um ladrão…aquele cujo meio de vida é a faca e a espada é um soldado…aquele cujo meio de vida é oficiar cerimonias religiosas é um sacerdote, não um Brâmane…quem reina sobre uma nação é um rei, não um Brâmane…Eu digo que aquele que não possui impurezas manchando a sua mente, que está livre do apego, é um Brâmane…Ele não se torna um brâmane apenas pelo nascimento, mas através do kamma ele é um Brâmane, através do kamma ele não é um Brâmane. Através do kamma ele é um agricultor, um artista, um comerciante, um empregado, um ladrão, um soldado, um sacerdote ou até mesmo um rei...tudo é devido ao kamma. A pessoa sábia, vendo a origem dependente, hábil com o kamma e os seus resultados, vê kamma como na verdade é, dessa forma. O mundo é guiado por kamma. A humanidade é guiada por kamma ...”[Sn 612-654]

 

* * *

 

Após analisar esses quatro matizes distintos do significado da palavra “kamma,” convém mais uma vez enfatizar que qualquer definição de kamma tem que ser sempre baseada na intenção. A intenção é o fator que guia o nosso relacionamento com as outras coisas. Quer ajamos sob a influência das tendências inábeis, sob a forma de cobiça, raiva e delusão ou tendências hábeis, tudo está sob o controle da intenção.

 

Qualquer ação desprovida de intenção não tem impacto na lei de kamma. Isto é, não faz parte do escopo da lei de kamma, mas de algum outro niyama, tal como utuniyama (leis físicas). Essas ações possuem a mesma importância que um barranco desmoronando, uma pedra caindo de uma montanha ou um galho morto caindo de uma árvore.

 

Tipos de kamma

 

No que se refere às suas qualidades ou raízes, kamma pode ser dividido em dois tipos principais. Eles são:

 

1. Akusala kamma: kamma que é inábil, ações que não são boas ou que são más; em especial ações que nascem de akusala mula, as raízes da inabilidade, que são a cobiça, a raiva e a delusão.

 

2. Kusala kamma: ações que são hábeis ou boas; em especial ações que nascem das três kusala mula ou raízes da habilidade, que são a não-cobiça, a não-raiva e a não-delusão.

 

Como alternativa, kamma pode ser classificado de acordo com os caminhos ou canais através dos quais ele ocorre, sendo que estes são três:

 

1. Kamma corporal: ações intencionais com o corpo.

 

2. Kamma verbal: ações intencionais com a linguagem.

 

3. Kamma mental: ações intencionais com a mente.

 

Integrando ambas classificações descritas acima, temos no total seis tipos de kamma: kamma que é inábil corporal, verbal e mental; e kamma que é hábil corporal, verbal e mental. 

 

Uma outra forma de classificar kamma é de acordo como os seus resultados. Nesta classificação existem quatro categorias:

 

1. Kamma escuro com um resultado sombrio: Isto se refere a ações corporais, ações verbais e ações mentais que são prejudiciais. Exemplos simples são matar, roubar, infidelidade sexual, mentir e usar substâncias inebriantes. [5]

 

2. Kamma claro com um resultado luminoso: Essas são ações corporais, verbais e mentais que não são prejudiciais, tal como agir de acordo com as dez bases para a conduta hábil.[6]

 

3. Kamma escuro e claro com um resultado sombrio e luminoso: Ações corporais, verbais e mentais que são parcialmente prejudiciais e parcialmente não prejudiciais.

 

4. Kamma nem escuro nem claro com um resultado nem sombrio nem luminoso, que conduz à cessação de kamma: Essa é a intenção de transcender os três tipos de kamma mencionados acima, ou em especial, desenvolver os Sete Fatores da Iluminação ou o Nobre Caminho Óctuplo.

 

Dos três canais de kamma – corpo, linguagem e mente – o kamma mental é considerado o mais importante e de mais longo alcance nos seus efeitos, como demonstrado no Cânone em Pali:

 

“Desses três tipos de ação, Tapassi, assim analisadas e diferenciadas, eu descrevo a ação mental como sendo a mais repreensível para a realização de uma ação má, para a perpetração de uma ação má, e não tanto a ação corporal e a ação verbal.” [MN.I.373] (MN56)

 

O kamma mental é considerado o mais importante porque é a origem de todos os demais kamma. O pensamento precede a ação por meio do corpo e linguagem. Ações corporais e verbais são derivadas do kamma mental.

 

Uma dos mais importantes fatores de influência no kamma mental é ditthi – idéias, entendimentos, crenças e preferências pessoais. As idéias têm uma influência importante no comportamento de um indivíduo, nas experiências de vida e ideais sociais. As ações, linguagem e a manipulação de situações são baseadas em idéias e preferências. Se existe um entendimento ou idéia incorreta, como conseqüência qualquer pensamento, linguagem e ações subseqüentes tenderão a fluir na direção errada. Se existe entendimento correto, então os pensamentos, linguagem e ações resultantes tenderão a fluir na direção adequada e boa. Isto se aplica não apenas ao nível pessoal mas ao nível social também. Por exemplo, uma sociedade que mantenha a crença de que a riqueza material é o objetivo mais precioso e desejável na vida irá se empenhar em obter posses materiais, medindo o progresso, prestígio e honra por meio da abundância dessas coisas. O estilo de vida dessas pessoas e o desenvolvimento dessa sociedade assumirá uma certa forma. Em contraste, uma sociedade que valoriza a paz mental e o contentamento como objetivo terá um estilo de vida e desenvolvimento marcadamente distinto.

 

Existem muitas ocasiões em que o Buda descreve o entendimento correto, o entendimento incorreto e a sua importância, como por exemplo:

 

“E o que, bhikkhus, é entendimento correto? Entendimento correto, eu digo, tem duas partes: existe o entendimento correto que está sujeito às impurezas, participando dos méritos, mas ainda gerando apego; e existe o entendimento correto que é nobre, imaculado, supramundano, um elemento do caminho.

 

“E o que, bhikkhus, é o entendimento correto que está sujeito às impurezas, participando dos méritos, mas ainda gerando apego? ‘Existe aquilo que é dado e o que é oferecido e o que é sacrificado; existe fruto e resultado de boas e más ações; existe este mundo e o outro mundo; existe a mãe e o pai; existem seres que renascem espontaneamente; existem no mundo sacerdotes e contemplativos bons e virtuosos que, após terem conhecido e compreendido diretamente por eles mesmos, proclamam este mundo e o próximo.’ Esse é o entendimento correto que está sujeito às impurezas, participando dos méritos, mas ainda gerando apego.” [MN.III.72] (MN 117)

 

* * *

 

“Bhikkhus! Eu não vejo nenhuma outra condição que seja de tal modo a causa para o surgimento das condições inábeis que ainda não surgiram e para o desenvolvimento e fruição das condições inábeis que já surgiram, como o entendimento incorreto…”[AN I.30]

 

* * *

 

“Bhikkhus! Eu não vejo nenhuma outra condição que seja de tal modo a causa para o surgimento das condições hábeis que ainda não surgiram e para o desenvolvimento e fruição das condições hábeis que já surgiram, como o entendimento correto…”[AN I.30]

 

* * *

 

“Bhikkhus! Quando há entendimento incorreto, o kamma corporal criado como resultado daquele entendimento, o kamma verbal criado como resultado daquele entendimento e o kamma mental criado como resultado daquele entendimento, bem como as intenções, aspirações, desejos e proliferações mentais, todos produzem resultados que são indesejáveis, des-prazerosos, desagradáveis, que não trazem benefício, mas que conduzem ao sofrimento. Por conta de que? Por conta daquele entendimento pernicioso. É como a semente de uma abóbora amarga plantada na terra úmida. O solo e a água tomados como alimento são totalmente convertidos num sabor amargo, num sabor pungente, num sabor repugnante. Porque isso? Porque a semente não é boa.

 

“Bhikkhus! Quando há entendimento correto, o kamma corporal criado como resultado daquele entendimento, o kamma verbal criado como resultado daquele entendimento e o kamma mental criado como resultado daquele entendimento, bem como as intenções, aspirações, desejos e proliferações mentais, todos produzem resultados que são desejáveis, prazerosos, agradáveis, que trazem benefício, que conduzem à felicidade. Por conta de que? Por conta daquele entendimento correto. É como a semente da cana de açúcar, uma semente de trigo ou a semente de uma fruta que seja plantada na terra úmida. A água e o solo tomados como alimento são totalmente convertidos em doçura, em refresco, em um sabor delicioso. Por conta de que é isso? Por conta daquela semente boa…” [AN I.32]

 

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“Bhikkhus! Há aquele cujo nascimento neste mundo não é para o benefício de muitos, não é para a felicidade de muitos, mas para a ruína, para o dano de muitos, para o sofrimento de ambos Devas e humanos. Quem é essa pessoa? É a pessoa com o entendimento incorreto, com idéias distorcidas. Alguém com o entendimento incorreto conduz muitos para longe da verdade e para a falsidade…

 

“Bhikkhus! Há aquele cujo nascimento neste mundo é para o benefício de muitos, é para a felicidade de muitos, para o crescimento, para o benefício, para a felicidade de Devas e humanos. Quem é essa pessoa? É a pessoa com o entendimento correto, que não tem idéias distorcidas. Alguém com o entendimento correto conduz muitos para longe da falsidade e para a verdade...”

 

“Bhikkhus! Eu não vejo outra condição que seja tão danosa como o entendimento incorreto. Das coisas que causam o dano, bhikkhus, o entendimento incorreto é a mais importante.” [AN I.33]

 

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“Todas as condições têm a mente como precursora, a mente como senhor e são realizadas pela mente. Qualquer coisa que alguém diga com uma mente defeituosa traz o sofrimento na sua trilha como a roda da carroça que segue os cascos do boi…Qualquer coisa que alguém diga com uma mente limpa traz a felicidade na sua trilha, como a sombra que segue o seu dono.” [Dh 1-3]

 

2. Sobre o Bom e o Mau

 


Notas:

[1] Kamma – em Pali – que é usado neste livro, não é tão conhecido como a ortografia em Sânscrito, karma, embora ambos tenham o mesmo significado. [Retorna]

[2] Em Tailandês as palavras "gummaniyahm" (kammaniyama) e 'sungkom niyom' (preferência social) possuem uma certa fluidez que é perdida na tradução. [Retorna]

 

[3] Formações volitivas. [Retorna]

 

[4] Paticcasamuppada. [Retorna]

 

[5] Essas são as práticas prescritas pelos Cinco Preceitos, o padrão moral básico de um praticante Budista. [Retorna]

 

[6] As dez bases para a conduta hábil: abster-se de matar, roubar, de manter conduta sexual imprópria, de usar linguagem mentirosa, linguagem maliciosa, linguagem grosseira, linguagem frívola, da cobiça, má vontade e entendimento incorreto. [Retorna]

 

 

Abreviações: As referências aos suttas entre colchetes seguem a numeração adotada na versão do Tipitaka em Pali publicada pela Pali Text Society. A referência entre parêntesis segue a numeração adotada no Acesso ao Insight.[Retorna]

 

AN = Anguttara-nikaya

DN = Digha-nikaya

Dh = Dhammapada

Dhs = Dhammasangani

It = Itivuttaka

J = Jataka

MN = Majjhima-nikaya

Ndl = (Maha-) Niddesa

Nd2 = (Cula-) Niddesa

SN = Samyutta-nikaya

Sn = Suttanipata

Ud = Udana

Vbh = Vibhanga


Revisado: 21 Setembro 2002

A versão original deste texto está em http://www.acessoaoinsight.net/arquivo_textos_theravada/kamma_1.htm

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