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A idéia da reencarnação e a doutrina budista

Existe popularmente uma concepção equivocada de que a doutrina budista defende a existência da reencarnação. A história da origem desse equívoco é complexa, interessante e insuficientemente documentada, mas antes de tentar reconstituí-la, pretendo demonstrar que o que se costuma chamar de reencarnação é de fato impossível de acontecer segundo o ensinamento budista.

Entre os ensinamentos mais básicos do budismo, estão os da IMPERMANÊNCIA, o da INTERDEPENDÊNCIA (ligada à origem condicionada dos fenômenos), e o do "Não-Eu" (Anatta em Pali, Anatman em Sânscrito ). Ou seja, segundo o budismo a existência de indivíduos independentes é uma ilusão temporária. Por vias diferentes, tanto o ensinamento Theravada quanto o Mahayana afirmam claramente que é um equívoco pensar em termos de alcançar "nossa própria" iluminação. Para o Mahayana, porque isso é moralmente inaceitável, e para o Theravada, porque não faz sentido. Não há conflito entre as duas opiniões - estão ambas corretas e se complementam.

Existe no budismo a importante idéia de RENASCIMENTO ou EMANAÇÃO, que infelizmente tem sido vista com excessiva frequência como sendo equivalente à de reencarnação. No entanto, a reencarnação ocorre sempre com a rigorosa transferência de méritos de um indivíduo específico para outro único indivíduo exclusivamente. Esses dois indivíduos vivem em épocas diferentes e podem de fato estar muito separados tanto pelo tempo quanto pelo espaço. No entanto, supõe-se que de alguma maneira ambos sejam a mesma pessoa, e tenham muito mais afinidades um com o outro do que qualquer um dos dois com os conhecidos, amigos e familiares com que convivem em suas respectivas culturas. Pode haver diferenças de língua, nível de instrução, metas de vida e experiências de vida, mas ainda assim em algum sentido são "a mesma" pessoa. Partilham dramas, esperanças e eventos cotidianos e extraordinários com seus conterrâneos e contemporâneos, mas ainda assim entende-se que cada um tem "seu próprio" conjunto de méritos. As culturas de duas supostas vidas de um indivíduo reencarnado podem ser completamente alienígenas uma em relação à outra, mas ainda assim é "o mesmo" espírito. Essa crença não pode ser considerada budista.

Pois esses reencarnados teriam forçosamente uma essência pessoal permanente, um ATMAN (conceito hinduísta especificamente refutado pelo Buda) capaz de transcender tanto a INTERDEPENDÊNCIA quanto a IMPERMANÊNCIA que moldam sempre nossas vidas e nossas personalidades. Não creio que esse fenômeno possa ocorrer exceto em fantasia. Acho evidente que não é um acontecimento muito frequente em nossos ciclos de mortes e nascimentos. E penso ter demonstrado claramente que, certa ou errada, a idéia de reencarnação contradiz triplamente o ensinamento budista.


© 2003 por Luís Dantas.

Ainda sobre este assunto, há excelentes colocações do Koji Petrúcio (na seção de perguntas) e de Ricardo Sasaki (veja o FAQ, ou clique aqui, aqui e aqui). Também de interesse é o texto sobre Karma e Renascimento de Nyanatiloka Mahathera, generosamente traduzido por Carlos Lessa e disponibilizado pelo Centro de Estudos do Budismo.

Sobre Anatta/Anatman/Não-Eu, a melhor fonte talvez seja Samyutta Nikaya XXII.59 - Anatta-lakkhana Sutta - O Discurso acerca das Características do não eu. Aliás, recomendo enfaticamente a página sobre leitura dos Suttas (Sutras) nesse site, o Acesso Ao Insight.

Outro texto interessante para este assunto é Majjhima Nikaya 72 - Aggivacchagotta Sutta - Para Vacchagotta, sobre o Fogo.


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