Dos pensadores e filósofos do século XIX, talvez nenhum tenha deixado um legado tão difícil de localizar e compreender quanto Augusto Comte. Seu trabalho é visto, dependendo da fonte, como uma reação ao Idealismo (1), uma defesa de ditaduras reacionárias (2), um sistema religioso que rejeita a metafísica (3), um precursor da Sociologia (4), um representante do Agnosticismo francês (10), um inimigo da liberdade (22).
Praticamente o único ponto pacífico a respeito da filosofia de Comte é que ela costuma ser chamada de Positivismo e propõe a Lei dos Três Estados (23): teológico ou fictício, metafísico ou abstrato, científico ou positivo - nesta ordem. Para Comte, as idéias de Evolução, Ordem e Progresso eram muito caras. A ele se atribui a inspiração do lema "Ordem e Progresso" da bandeira brasileira.
É de fato muito natural que haja tanta confusão a respeito da proposta de Comte, pois essa proposta é em si extremamente confusa e contraditória. Comte insiste em se dizer científico, mas não compreende o que é a Ciência; rejeita a Metafísica, mas insiste em fundar uma religião; garante não ter uso para qualquer verdade que não seja provada com toda a certeza, mas assume uma postura desavergonhadamente dogmática a toda hora (7). Trata-se de um autor lamentavelmente confuso e mesmo perturbado, como a sua própria história pessoal parece bem ilustrar (5).
Tamanha é a incoerência (melhor dizendo, insanidade) de Comte que um autor contemporâneo que praticamente nada tem em comum com ele acaba por fazer um uso muito mais correto do termo que Comte definiu e propôs (6).
Onde foi que Comte perdeu o rumo? Como bem afirma uma das referências abaixo (9), Comte encorajou o cientificismo. Infelizmente, isso significa que prejudicou e desencorajou a prática da ciência, que é incompatível com e oposta ao cientificismo. Assim como Descartes, Comte não compreendia essa importante distinção entre a ciência (que busca a verdade) e o cientificismo (que pretende arrogantemente ser dono da verdade) (25), (26), (33).
Comte era francamente cientificista. E embora não pudesse provavelmente compreender esse fato, era por isso mesmo um inimigo da ciência. Sua pretensão de ter todas as respostas e sua ensandecida mistura de ciência com dogma comprometem todo o seu trabalho e tiram o valor de seu legado; ao sustentar sua obra em bases dogmáticas, Comte torna-o frágil ao ponto dele não ter mais qualquer valor exceto o puramente acidental.
É essa confusão lamentável (e completamente injusta) entre ciência e cientificismo que explica erros frequentes como o da associação entre a Psicologia Behaviorista e o Positivismo (11), (12), bem como o fato de que alguns dos supostos críticos do Positivismo tem de fato posições muito similares a ele. É o caso de Carl Jung (14), (15), bem como, suspeito, de Wilhelm Reich (16), (27), (28), (29) e Allan Kardec (17), (18), (19), (20).
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